Introdução
No cenário atual de insegurança jurídica e aumento da carga tributária, muitos brasileiros têm adotado estratégias internacionais para proteger seu patrimônio. Longe de ser um sinônimo de ilegalidade, o uso de estruturas offshore — como as famosas LLCs americanas ou as PICs registradas em paraísos fiscais — tornou-se uma ferramenta legítima e sofisticada de planejamento patrimonial, sucessório e até tributário. O problema não está na estrutura em si, mas em como ela é utilizada. E, principalmente, em quando ela é criada.
O que são estruturas offshore?
“Offshore” é um termo usado para descrever empresas, contas ou investimentos mantidos fora do país de residência do titular. Na prática, significa manter seu dinheiro ou seus bens em outro país. Esse outro país pode ser tanto os Estados Unidos, por meio de uma LLC (Limited Liability Company), quanto uma jurisdição tradicionalmente sigilosa e de baixa tributação, como as Ilhas Virgens Britânicas ou o Panamá, onde se pode abrir uma PIC (Private Investment Company).
Contrariando o senso comum — muito influenciado por escândalos como aquele dos Panama Papers —, manter uma empresa offshore não é crime. O ilícito ocorre quando se omite esse patrimônio das autoridades brasileiras e se utiliza da estrutura para ocultar bens de credores ou para lavar dinheiro.
A legislação brasileira, inclusive, reconhece e regula a existência dessas empresas. Desde que sejam devidamente declaradas no Imposto de Renda e no Banco Central (via CBE), elas são perfeitamente legais. O advento da Lei nº 14.754/2023 trouxe ainda mais clareza sobre o assunto, estabelecendo regras de tributação para lucros mantidos no exterior, inclusive por pessoas físicas.
LLCs nos EUA
As LLCs são empresas flexíveis, simples de criar e com regime fiscal adaptável. Para investidores estrangeiros, como brasileiros, oferecem três principais vantagens: confidencialidade, separação patrimonial e uma estrutura jurídica robusta. Cada estado americano tem suas próprias regras, mas estados como Delaware, Wyoming e Nevada são os preferidos por permitirem anonimato e gestão simplificada.
Uma LLC pode ser formada por uma única pessoa — um brasileiro, por exemplo — e servir como titular de investimentos, contas bancárias, imóveis ou até participações em empresas no Brasil. Isso tudo sob a proteção de uma estrutura societária que, nos EUA, separa o patrimônio da empresa do patrimônio do sócio.
Essa separação é fundamental para a proteção patrimonial. Em muitos estados americanos, mesmo que um credor obtenha uma sentença no Brasil, ele só poderá tentar atingir os lucros distribuídos pela LLC, mas não os ativos diretamente, o que oferece uma barreira jurídica significativa.
PICs em jurisdições de tributação favorecida
Já as PICs, típicas de jurisdições offshore, são ainda mais voltadas à confidencialidade. Elas funcionam como holdings patrimoniais com alto grau de sigilo. Os beneficiários reais raramente aparecem nos registros públicos, e a administração pode ser feita por fiduciários profissionais. São essas características que tornaram as PICs tão populares — e, ao mesmo tempo, tão polêmicas.
Em termos práticos, uma pessoa física brasileira pode constituir uma PIC e, por meio dela, deter contas bancárias, ações, imóveis e outros ativos. Isso garante não só anonimato, mas também um planejamento sucessório facilitado, por exemplo.
Estruturas simples e estruturas em camadas
As estratégias offshore podem ser organizadas de forma mais direta — com uma única LLC — ou mais complexa, com o uso de uma PIC como controladora de uma LLC. A chamada estrutura “em dupla camada” confere maior proteção e sigilo.
A estrutura simples (LLC diretamente controlada por pessoa física) é mais barata e fácil de implementar, mas oferece uma proteção mais limitada. Já a estrutura com PIC + LLC é mais sofisticada e indicada para quem possui alto patrimônio ou maior risco jurídico.
A escolha entre uma ou outra deve considerar, além do custo e da finalidade, o grau de exposição desejado, os tratados de cooperação do Brasil com a jurisdição da empresa e o perfil tributário do titular.
E se houver uma dívida? A fronteira entre legalidade e fraude à execução
A linha entre proteção patrimonial e fraude à execução é tênue — e crítica. Transferir bens para uma offshore depois do surgimento de dívidas ou no curso de um processo judicial pode ser interpretado como tentativa de burlar a justiça. A jurisprudência brasileira já reconhece essa prática como fraude à execução, o que pode levar à desconsideração da personalidade jurídica da empresa offshore e ao bloqueio dos ativos.
Dessarte, a estrutura deve ser criada antes de qualquer problema patrimonial, com finalidade legítima e documentação sólida. Caso contrário, toda a proteção que ela oferece poderá ser desmontada.
Nova lei, novas regras: como funciona a tributação de offshores atualmente
Com a Lei nº 14.754/2023, o Brasil passou a permitir duas formas de tributar os lucros de empresas controladas no exterior: o regime opaco e o regime transparente.
No regime transparente, os lucros da offshore são automaticamente atribuídos ao titular no Brasil, mesmo que não sejam distribuídos. Isso significa que o contribuinte paga imposto todos os anos sobre o lucro, ainda que não tenha recebido nenhum valor.
Já no regime opaco, a tributação só ocorre quando os lucros forem efetivamente distribuídos para o Brasil. Esse regime é mais vantajoso para quem quer manter os lucros no exterior e reinvesti-los, sem tributação imediata. Também garante mais confidencialidade, já que os ativos continuam em nome da empresa estrangeira.
Ambos os regimes são válidos, mas a escolha precisa ser feita com cuidado, pois envolve implicações fiscais, obrigações declaratórias e impacto patrimonial direto.
Usufruindo os rendimentos offshore no Brasil: o que pode e o que não pode
Um dos pontos mais sensíveis da estratégia offshore é o uso prático dos rendimentos no dia a dia. Em que pese possa ser comum e prático o uso de cartões corporativos internacionais, esse modelo pode ser considerado pela Receita Federal como distribuição disfarçada de lucros. Isso porque, na prática, o residente no Brasil está usufruindo dos recursos da empresa sediada fora das fronteiras brasileiras. Por isso, remessas formais — com recolhimento de imposto, quando aplicável — ainda são a forma mais segura de internalizar os recursos.
Cooperação internacional e a ilusão da “blindagem total”
Se antes manter ativos no exterior existia a garantia de anonimato, na atualidade não é bem assim. O Brasil participa de tratados internacionais que permitem o intercâmbio de informações fiscais, como o CRS (Common Reporting Standard) e, em parte, o FATCA. Além disso, a Convenção da Haia sobre a obtenção de provas e os tratados de cooperação jurídica têm facilitado a penhora de bens no exterior, inclusive de contas bancárias, imóveis e participações em empresas.
Isso não significa que a proteção não mais existe. Mas a “blindagem absoluta” é cada vez mais rara. O bom resultado está na legalidade, na antecedência e na substância econômica da estrutura.
Proteger, mas com planejamento
Estruturas offshore não são vis, são ferramentas. Quando bem e corretamente utilizadas, com objetivos legítimos e assessoria profissional, elas cumprem um papel importante na organização do patrimônio, na sucessão familiar e na gestão de riscos jurídicos.
O risco da ilegalidade está no improviso: criar uma offshore em meio a um processo judicial ou como “solução mágica” para esconder bens pode ser o caminho mais curto para o fracasso da estratégia e responsabilização do titular.
Estruturas offshore funcionam, mas devem ser planejadas com cuidado, sob orientação jurídica e contábil especializada, e dentro dos limites da legalidade. Em tempos de crescente cooperação internacional e fiscalização digital, essa é a única forma segura de proteger o patrimônio.

IGOR MORIYAMA
Advogado do CQAA Advogados Associados, graduado em Direito pela Universidade Federal de Lavras, especialista em Direito Empresarial e em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, mestrando em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Minas Gerais, com MBA em Bussines Law pela Fundação Getúlio Vargas e atua nos ramos do Direito Societário e Planejamento Patrimonial.