Em dezembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.363.013/RJ e fixou tese sobre o Tema n. 1.214, de Repercussão Geral, para declarar inconstitucional a incidência do ITCMD sobre valores recebidos pelos beneficiários de planos VGBL e PGBL, em caso de falecimento do titular.
Embora essa parte do julgamento tenha sido amplamente divulgada pela mídia e celebrada pelos contribuintes, passou despercebido trecho do julgado que valida a cobrança do ITCMD na extinção do usufruto, quando a legislação prevê o pagamento diferido do imposto, com cobrança parcial no ato da doação com usufruto, e residual na extinção do usufruto.
O ITCMD na extinção do usufruto
Ainda que de forma indireta, ao realizar o julgamento do RE n. 1.363.013/RJ o STF analisou a constitucionalidade da cobrança do ITCMD no momento da extinção do usufruto, nos casos em que há diferimento parcial do imposto, como previsto em legislações estaduais — a exemplo do Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo.
A Corte concluiu que, desde que a incidência se refira à complementação de um imposto já devido no momento da doação, não há vício de constitucionalidade. Em outras palavras, considerou legítimo o modelo no qual parte do ITCMD é exigido no momento da doação da propriedade e o restante, quando o usufruto se extingue (pela morte ou renúncia do usufrutuário).
A prática do diferimento: como funciona
Na prática sucessória, a doação com reserva de usufruto é um instrumento bastante utilizado para antecipar a transmissão de bens, preservando ao doador o direito à posse, uso e percepção dos frutos.
No Estado de São Paulo, por exemplo, a Decisão Normativa CAT n. 03/2010 permite que, nos casos de doação com reserva de usufruto, 2/3 do imposto seja recolhido no ato da doação e 1/3 na extinção do usufruto.
Contudo, esse modelo vinha sendo contestado por muitos contribuintes – com razoável êxito perante o Tribunal de Justiça de São Paulo – sob o argumento de que a extinção do usufruto não configura nova transmissão patrimonial, mas apenas a consolidação da propriedade plena, o que não caracterizaria hipótese de incidência do ITCMD. Assim, na visão dominante até então, o diferimento seria indevido e o recolhimento do 1/3 remanescente, inconstitucional.
O impacto da decisão do STF
A Corte entendeu que a cobrança do imposto diferido não representa nova incidência, mas tão somente o cumprimento parcelado da obrigação tributária, que teve seu fato gerador no momento da doação inicial.
Ao julgar constitucional o art. 42 da Lei n 7.174/2015 do Estado do Rio de Janeiro, o STF validou a prática da cobrança complementar do imposto no momento da extinção do usufruto. Para a Corte, a cobrança prevista em duas etapas configura apenas um diferimento do recolhimento do imposto já devido pela doação e não uma nova incidência.
Embora o caso envolva a legislação fluminense, o entendimento poderá servir de precedente para reforçar a cobrança do valor remanescente do ITCMD nos casos de extinção do usufruto, quando a legislação estadual prever o diferimento do tributo.
Recomendações e próximos passos
Diante desse cenário, contribuintes que já realizaram doações com reserva de usufruto no Estado de São Paulo – e que optaram por não recolher o 1/3 na extinção – podem se ver em situação de risco fiscal. Já para aqueles que estão planejando novas estruturas patrimoniais ou sucessórias, o momento é oportuno para revisar modelos anteriormente considerados pacificados.
É recomendável que planos de sucessão patrimonial sejam reavaliados à luz da recente decisão, considerando eventuais impactos e riscos de cobrança do imposto até agora.

KARLA SOUZA
Advogada no CQAA Advogados Associados, graduada em Direito pela Faculdade Milton Campos, especialista em Direito Tributário e atua no contencioso judicial e admistrativo tributário e consultivo tributário.