Proteção Patrimonial em Risco?

No final deste ano de 2024, no julgamento do agravo de instrumento nº 2100150-52.2023.8.26.0000, em sede de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, a 13ª Câmara de Direito Privado decidiu pela desconsideração da personalidade jurídica de holding familiar cujo capital social foi integralizado com ativos imobiliários.

Os ativos em questão eram dois imóveis originalmente adquiridos pelo patriarca da família, situados no local onde funcionava sua empresa operacional, dedicada à fabricação de produtos plásticos. Em 1998, tais imóveis foram doados aos filhos, que, posteriormente, em 2019, os integralizaram na holding patrimonial.

A controvérsia, por sua vez, teve início a partir da inadimplência, por parte do doador, de uma cédula de crédito bancário emitida em 2014, no valor inicial de R$ 1.884.218,43. Alegou-se, portanto, estarem presentes os indícios de proposital esvaziamento patrimonial pelo patriarca, por meio da constituição de holding patrimonial e repasses de bens a parentes próximos, em razão do suposto desfazimento do patrimônio pessoal com o objetivo de fraudar credores.

Ocorre que, em que pese os imóveis terem sido integralizados no capital social da holding em 2019, a doação foi realizada em favor dos herdeiros em 02/04/1998, enquanto a cédula de crédito bancária foi emitida somente em 23/05/2014. Ou seja, o repasse dos bens pelo patriarca ocorreu dezesseis anos antes da contração do empréstimo.

Ainda assim, a Câmara de Direito Privado interpretou que o critério cronológico não é, por si só, impeditivo à desconsideração da personalidade jurídica, desde que comprovados os requisitos de confusão patrimonial e desvio de finalidade nos atos anteriores. Portanto, ainda que os bens tenham sido doados anteriormente à aquisição da dívida, entende-se que uma eventual execução poderia alcançá-los, considerando que teriam sido repassados com a clara finalidade de blindagem patrimonial.

Esse entendimento, embora passível de recurso ao Superior Tribunal de Justiça, vai ao encontro de outras decisões proferidas pelas Câmaras do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que usualmente reconhecem elementos como (i) permanência do uso do bem doado pelo doador após a doação; (ii) finalidade única da holding patrimonial para “blindagem”;  e (iii) transferência dos imóveis aos herdeiros por valores insignificantes, como fatores que representam indícios de desvio de finalidade e confusão patrimonial, o que justificaria a desconsideração da personalidade jurídica.

Entretanto, ainda que tais julgados possam sugerir que a conferência de imóveis a uma holding patrimonial não garanta, por si só, a blindagem do patrimônio, cabe ressaltar que o atingimento dos bens ocorre apenas em casos excepcionais, quando há a comprovação de confusão patrimonial e desvio de finalidade.

No caso em tela, por exemplo, os julgadores esclareceram que práticas impróprias como (i) a constituição de holding patrimonial com a finalidade exclusiva de blindagem patrimonial sob o manto da personalidade jurídica; (ii) a transferência de diversos bens familiares pelo patriarca, além dos supracitados, com o intuito de esvaziamento patrimonial proposital; (iii) a extrema disparidade entre os valores pelos quais os imóveis foram disponibilizados aos filhos em relação aos valores reais destes ativos; e (iv) mais recentemente, a aquisição de diversos imóveis pelos filhos, posteriormente conferidos à holding patrimonial, que, na realidade, foram utilizados única e exclusivamente pelas empresas operacionais do patriarca em suas atividades, objetivando-se assim a fraude a credores, foram determinantes para a compreensão da confusão patrimonial e desvio de finalidade, o que, por conseguinte, resultou no deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

Assim, a fim de garantir uma estratégia de gestão patrimonial adequada, é fundamental que haja uma análise minuciosa e criteriosa por advogados especializados, tanto sobre os objetivos que motivam a constituição de uma holding patrimonial, quanto em relação aos procedimentos adequados a serem seguidos desde a sua constituição, incluindo eventuais estratégias de sucessão, tendo em vista que, embora a holding não assegure automaticamente a blindagem patrimonial, pode se revelar uma ferramenta valiosa para a gestão eficiente do patrimônio, otimização tributária e redução de custos em processos sucessórios.

JOÃO PEDRO MORCATTI

Advogado do Calazans, Queiroz, Machado e Crepaldi Advogados Associados, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, com LLM em Direito Empresarial pelo IBMEC. Atua nos ramos do Direito Societário, Fusões e Aquisições (M&A) e Direito Contratual