Tema 796 do STF: ITBI incide apenas sobre o valor que excede a integralização ao capital social, mas municípios ampliam cobrança com base no valor venal dos imóveis.

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC (Tema 796), o Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão com trânsito em julgado em 15/10/2020, firmou a tese de que a imunidade relativa ao Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), prevista no § 2º, inciso I, do artigo 156 da Constituição Federal, não se aplica à parcela do valor dos bens imóveis que exceder o montante efetivamente destinado à integralização do capital social.

No caso analisado, os sócios da Lusframa Participações Societárias Ltda incorporaram 17 (dezessete) imóveis ao capital social da empresa, totalizando R$802.724,00. No entanto, apenas R$24.000,00 foram efetivamente integralizados ao capital social da empresa, enquanto o remanescente – R$778.724,00 – foi contabilizado como reserva de capital.

Nesse contexto, o Supremo entendeu que como a parcela remanescente não estaria destinada à integralização, não haveria a imunidade legal, pois “o preceito constitucional tem por finalidade incentivar a livre iniciativa, estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas e não conferir imunidade a operações com imóveis cuja destinação se desvia desse propósito” – como nos casos em que os bens são utilizados para formação de reserva de capital.

Ocorre que, embora o julgado tenha sido claro ao restringir a incidência do ITBI à diferença entre o valor efetivamente integralizado ao capital social e aquele destinado à reserva de capital, a maior parte dos municípios passou a adotar uma interpretação ampliada da decisão, exigindo o imposto não apenas sobre essa diferença, mas também sobre a diferença entre o valor integralizado e o valor venal do imóvel transferido.

Para melhor compreensão, essa diferença decorre do fato de que os valores integralizados geralmente correspondem ao valor histórico informado pelo contribuinte em sua declaração de imposto de renda, enquanto o valor venal reflete uma estimativa atualizada do bem com base em seu valor de mercado, em condições normais de comercialização.

Assim, a partir dessa tese, quando um imóvel é integralizado ao capital social por R$ 50.000,00, mas possui valor venal de R$ 200.000,00, diversos municípios vêm adotando o entendimento de que o ITBI incide sobre a diferença de R$ 150.000,00, ainda que a referida diferença não tenha sido aproveitada como reserva de capital.

Ademais, infelizmente o entendimento dos tribunais regionais tem sido favorável aos municípios, corroborando com a interpretação que ultrapassa os limites impostos pelo Supremo.

Levantamento realizado com aproximadamente 20 (vinte) julgados recentes no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e 20 (vinte) no Tribunal de Justiça de São Paulo, revelou que, em 85% (oitenta e cinco por cento) das decisões proferidas em Minas Gerais, houve posicionamento desfavorável aos contribuintes – com a manutenção da cobrança com base no valor venal dos imóveis – enquanto, em São Paulo, 80% (oitenta por cento) dos casos analisados também resultaram em decisões contrárias aos contribuintes

Diante disso, é fundamental reforçar que operações como esta devem ser precedidas por um planejamento tributário criterioso e bem estruturado. Sem ele, aumentam significativamente os riscos de exposição a cargas tributárias elevadas, autuações fiscais e perda de benefícios legais que poderiam ter sido aproveitados com antecedência.

JOÃO PEDRO MORCATTI

Advogado do Calazans, Queiroz, Machado e Crepaldi Advogados Associados, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, com LLM em Direito Empresarial pelo IBMEC. Atua nos ramos do Direito Societário, Fusões e Aquisições (M&A) e Direito Contratual